História

História da Cannabis
Pesquisa e texto: Renata Lopes


Cannabis é o nome científico da maconha, uma planta que dá flores e pertence ao grupo das Cannabaceae, família que conta com três espécie: sativa, indica e ruderalis (botânicos discutem se a ruderalis deve ser ou não incluída entre a C.sativa). Esta planta, que apesar de ter sido demonizada no século passado, nunca perdeu sua importância, vem sendo cultivada pela humanidade em diferentes regiões do planeta nos últimos cinco mil anos, principalmente pela boa qualidade da fibra e corda que dela se obtém, mas também como alimento e remédio, além de ser usada recreativamente ou religiosamente devido a suas propriedades psicoativas.

Economistas preveem que em 2023 a cannabis será o commodity responsável por uma indústria que deve movimentar, legalmente e apenas nos Estados Unidos, algo em torno de 23 bilhões de dólares. A indústria cannábica já existe, conta com centenas de players em países de pelo menos três continentes, suas empresas operam na bolsa de valores de Nova York e Toronto e o movimento que vemos na última década indica que a planta segue o caminho da legalização no restante do mundo, voltando a ser apenas uma planta e sendo separada do estigma de criminalidade a que foi associada. 

Cannabis na antiguidade

A maconha veio da Ásia Central e da Índia e o cânhamo foi possivelmente uma das primeiras plantas a serem cultivadas, inclusive no Japão, desde o período pré-neolítico. Um sítio arqueológico nas Ilhas Oki, próximo ao Japão, continha restos de cannabis datados de 8000 a.C., indicando o consumo da planta já naquela época. Evidências arqueológicas levam também à Era Neolítica na China, com impressões de fibra de cânhamo encontradas na cerâmica da cultura Yangshao, do 5º milênio a.C. Mais tarde, os chineses passaram a usar o cânhamo para fazer roupas, sapatos, cordas e até uma forma de papel. A cannabis era um cultivar importante na Coréia antiga, com amostras de tecido de cânhamo descobertas de 3000 a.C. 

Ganja é o nome dado para o cânhamo em sânscrito e em outras línguas indo-arianas modernas (sânscrito: ?????, IAST: gañja). Estudiosos sugerem que o antigo soma de drogas, mencionado nos Vedas, era maconha, embora essa teoria seja contestada. Bhanga é mencionado em vários textos indianos datados antes de 1000 a.C., no entanto, há um debate filológico entre os estudiosos do sânscrito sobre se esse bhanga pode ser identificado com o bhang, a bebida, ou a cannabis de hoje em dia. 

A Cannabis também era usada pelos assírios, que descobriram suas propriedades psicoativas por meio dos arianos. Usada em cerimônias religiosas, eles a chamavam de qunubu, que significa "forma de fazer fumaça", provavelmente a origem da palavra Cannabis. Os arianos também apresentaram a cannabis aos sínthias, trácios e dácios, cujos xamãs (o kapnobatai, ‘aquele que anda na fumaça’) queimava flores de cannabis para induzir o transe. O clássico mito de Herodotus, de 400 a.C., conta que os habitantes da Cíntia ora inalavam os vapores da fumaça de semente de cânhamo, tanto em ritual quanto para se divertirem. A história do uso ritualístico da cannabis é também encontrada em cultos farmacológicos ao redor do mundo. Sementes de cânhamo que foram descobertas por arqueologistas em Pazyryk, Rússia, sugerem que nas cerimônias praticadas pelos cíntios já havia produtos comestíveis à base de maconha, entre o século V e II a.C., confirmando os históricos relatos de Herodotus.

E a Cannabis se espalhou pelo mundo...

Na virada do antigo milênio, o uso do haxixe, isto é, a resina de Cannabis, começou a se espalhar do mundo persa para o mundo arábico, chegando ao Iraque em 1230 d.C., durante o reinado de Califa Al-Mustansin Bi´llah. O haxixe foi levado ao Egito pelos místicos viajantes islâmicos da Síria em algum momento durante a dinastia Ayyubid no século 12. O consumo de haxixe pelos sufis egípcios foi documentado no século 13, com referência a uma variedade única de hemp indiana também documentada neste período. Fumar ainda não era um hábito popular no mundo antigo até depois da introdução do tabaco, por volta de 1500, e até então o haxixe no mundo islâmico era consumido em forma comestível.

Pensava-se que a Cannabis havia sido levada para a África pelos viajantes árabes ou indianos, mas colonos posteriormente a levaram ao sul da África quando para lá migraram. Cachimbos com traços de Cannabis foram encontrados na Etiópia e datam de 1320 d.C., e a planta já era popularmente consumida pelos indígenas no sul da África. Os povos Khoisan e Bantu habitavam a região antes dos assentamentos europeus no Cabo em 1652, e por volta de 1850, comerciantes Swahili levaram cannabis da costa leste da África para o Congo, no oeste.

Os espanhóis trouxeram o cânhamo comercial para o novo mundo e passaram a cultivar a planta no Chile a partir de 1545. Em 1607, a "hempe" estava entre as espécies observadas por Gabriel Archer que eram cultivadas pelos nativos na Villa Powhatan, onde fica onde Richmond, na Virgínia, e em 1613 Samuell Argall relatou que o cânhamo selvagem era melhor que o da Inglaterra, crescendo pelas margens do alto Potomac. No início de 1619, a Casa dos Burgueses da Virgínia passou um ato requisitando todos os cultivadores do estado a plantarem tanto hemp inglesa quanto indiana em suas propriedades.

Histórias da história contam que durante a invasão de Napoleão Bonaparte ao Egito em 1798, as tropas, que não podiam beber porque o álcool não é permitido em países islâmicos, experimentaram haxixe, e gostaram. 

E a planta começou a ser estudada - e ainda estamos muito longe de ter uma compreensão profunda da cannabis, seus componentes e seus benefícios! Seguindo uma viagem pelo norte da África e oriente médio de 1836 a 1840, o francês Jacques-Joseph Moreau, membro do Clube de Haxixe de Paris (Paris' Club des Hashischins) fundado em 1844, foi o primeiro médico a observar e descrever sistematicamente os efeitos psicológicos do uso da Cannabis. Ele escreveu um livro chamado Du hashisch et de l´Alienation Mentale, que pode ser lido aqui - https://archive.org/details/duhachischetdela00more/page/n6. Para quem gosta de turismo cannábico, Dr. Moreau está enterrado no cemitério Père Lachaise, em Paris.


Já em 1842, o médico irlandês William Brooke O´Shaughnessy, que estudou a planta enquanto trabalhava como um oficial médico em Bengala com a companhia do leste da Índia, trouxe uma quantidade de Cannabis com ele de volta à Grã-Bretanha, criando imenso interesse pela planta no oeste. Exemplos de literatura clássica do período envolvendo cannabis incluem Os Paraísos Artificiais (1860) de Charles Baudelaire e O Comedor de Haxixe (1857) de Fitz Hugh Ludlow, que pode ser lido aqui https://publicdomainreview.org/collections/the-hasheesh-eater-1857/.